quarta-feira, 6 de outubro de 2010

"Fellini: Sou um Grande Mentirosos"


O diretor italiano Federico Fellini, morto há quase dezessete anos, faz realmente muita falta nesses tempos em que o pacote de pipoca é a principal atração das salas escuras. Com uma produção de massa cada vez menos criativa, de gosto duvidoso, excessivamente violenta, o cinema de entretenimento, que domina o circuito cinematográfico, tirou espaço considerável dos filmes de autor, como os do mestre de Rimini.

O documentário Fellini: Sou um Grande Mentiroso reforça a idéia de que eramos felizes e não sabíamos. As entrevistas feitas com o diretor ao longo do documentário, pontuadas de cenas de seus filmes e de suas aparições no set de filmagem, comandando técnicos e atores, são saborosas. Suas explicações sobre sua forma de filmar, de dirigir o elenco, de reinterpretar a história, são no mínimo peculiares. Ele diz, por exemplo, que os atores são como marionetes e precisam ser manipulados por um bom profissional para que possam dar o melhor de si. Fellini também não era muito adepto de improvisos.

Sua fama de mentiroso é lendária e fica sempre difícil identificar onde começa a realidade e onde termina a fantasia felliniana que, no final das contas, acaba sempre vencendo e se transformando, por que não, numa faceta da verdade.

A Fellini não agrada o mundo como ele é. Ao filmar, precisa sempre retocar a realidade com seu pincel de fantasia, às vezes exagerando nos tipos humanos, outras recriando o mundo a sua volta. O diretor conta que a cidade de Rimini, lembrada pelo menos diretamente em dois de seus filmes - Amarcord e Os Boas Vidas de fato nunca existiu como é retratada na tela. É uma cidade que está em suas memórias, nem sempre tão confiáveis assim, como ele admite.

Certa vez ao visitar um campo cultivado, vendo as imensas estufas cobertas por lonas plásticas, conclui que essa seria a melhor forma de representar o mar. Em seus filmes, o mar é sempre recriado em estúdio, com lonas plásticas agitadas e muito efeito luminoso para criar a ilusão das ondas em movimento. Era necessário uma grande parafernália técnica para que esse simples efeito fosse obtido.

No documentário são entrevistados atores, técnicos e produtores que trabalharam sob a batuta do maestro e nem todos recordam com bom humor o estilo alucinado e autoritário que ele aplicava no set. Roberto Begnini, que trabalhou em A Voz da Lua, se derrama em elogios a Fellini, enquanto Donald Sutherland (Casanova) destaca seu caráter ditatorial, avesso a dar explicações sobre o que pretendia. Sutherland diz que sofreu o diabo nas mãos de Fellini durante as filmagens.

Mas não há como se divertir com a presença do diretor nos sets, com megafone na mão e pedindo para atores e figurantes que não falassem nada, apenas repetissem números em voz baixa - um, dois, três... - para manter o movimento dos lábios. Depois eles seriam dublados.

Mesmo Marcello Mastroianni, um de seus atores prediletos, também perdia a paciência com o estilo do diretor. Conta-se que ele rodava algumas cenas e dormia o resto do tempo em seu camarim, só retornando pra as cenas seguintes. Mas para Fellini, o que interessava mesmo era o filme chegar ao fim. Como, nem ele próprio muitas vezes sabia.

Luiz Vita

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